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Hoje, quase todos os políticos portugueses de direita pensam como a esquerda – escreve João Miranda a propósito da abstenção do PS, PSD e CDS-PP, na Assembleia Municipal de Lisboa, na votação de uma proposta do Bloco de Esquerda a favor da geminação de Lisboa com Gaza, cidade sob o controlo dos neo-fascistas do Hammas. Mas outros exemplos podem ser dados, como as propostas do CDS-PP e do PSD, na Assembleia da República, tendo por objectivo suspender a avaliação dos professores, por exemplo.
Caro Pedro: sem querer prolongar esta nossa conversa, sempre direi que se o problema é mesmo de alternativa – o que é verdade –, a questão coloca-se, do ponto de vista estrutural e não conjuntural, à direita e não à esquerda. Penso que é a direita que precisa de se refundar. É à direita que deveria aparecer algo de novo. O CDS/PP é um brinquedo de Paulo Portas e, por isso, politicamente inócuo. Onde está um partido democrata-cristão? Não aparece ninguém que o constitua? E o PSD está nas lonas: programaticamente empobrecido, desgastado por guerras intestinas, sem líder forte e carismático. Sem saber se é social-democrata ou partido popular à espanhola, albergando pessoas tão distintas e com ódios de estimação, como Pacheco Pereira ou Santana Lopes. Ao contrário, à esquerda existe um partido comunista forte (forte enquanto partido na tradição leninista, disciplinado, coeso, um corpo de revolucionários profissionais; sólido na sua influência social, sindical e, direi mesmo, eleitoral; e com doutrina, ideologia, programa, estratégia e organização) que oferece aos portugueses o modelo do «socialismo» à moda soviética. Existe um partido socialista forte – um partido de tradição social-democrata, na linha da Internacional Socialista, tal como o PSOE, o PS francês, os Trabalhistas, o SPD e por aí fora, que em cada país, e em cada momento, no governo ou na oposição, defende políticas mais sociais ou menos sociais, mais Estado «estratega» ou menos Estado, consoante há ou não riqueza para distribuir ou conforme a «personalidade política» do seu líder. Zapatero não é igual a Filipe González, nem Tony Blair a Gordon Brown. Nós por cá, para ampliar o leque de opções dos portugueses à esquerda, ainda temos o bloco de esquerda, com um peso eleitoral e mediático significativo e, provavelmente, em crescimento – uma frente de pequenos partidos de extrema-esquerda que, pelas suas indefinições ideológicas e programáticas, medeia entre sociais-democratas de esquerda e comunistas de direita conforme o que é mais oportuno. O leque de opções à esquerda é, pois, diversificado. É neste contexto, acrescido pela situação grave em que vivemos, e cujas consequências ainda não estão todas à vista, que avalio o papel de Manuel Alegre. Ele representa um papel importantíssimo nos «equilíbrios» dentro do partido socialista e só assim não será se Manuel Alegre considerar, tal como o PCP e o BE, que o PS é um partido de direita, o que não acredito. Mas não acrescenta nada à esquerda, sobretudo à esquerda democrática, acasalando-se politicamente com a extrema-esquerda que vê no PS o seu inimigo principal ou constituindo um novo partido – um «partido socialista de esquerda» que se iria alimentar – e em que medida não sabemos – da «ala esquerda», partidária e eleitoral, do PS, do PCP e do BE. A manta não estica. Mau para os portugueses e para a democracia não é o partido socialista ter que governar com maioria relativa, se for esse o caso, mas a direita governar, no estado em que se encontra, por via da fragmentação do PS ou a alternativa surgir pela porta da extrema-esquerda, do PCP e dos «socialistas de esquerda». Há quem fale em ideias e ideais para justificar «alternativas» mas, pergunto: será que Álvaro de Campos tinha razão?: Não tenho ideais, mas não os tem ninguém. / Quem diz que os tem é como eu, mas mente.
Há encontros e encontros que, mais dia, menos dia, numa qualquer esquina do caminho, se encontrarão.
A pequena burguesia radical não é uma invenção do léxico marxista. Existe. É uma realidade social. Os seus representantes políticos, dizem-se arautos de uma sociedade igualitária, mas reservam para si o direito de decidir quem é que será igual a quem. Não confiam em eleições, nem na vontade popular. A particularidade que melhor os caracteriza é a recusa em assumirem a sua condição de classe. Daí, o terem desenvolvido uma estranha obsessão por se fazerem passar por representantes da classe operária ou do povo trabalhador, conforme as circunstâncias e as conveniências. Não têm um projecto de sociedade. Por isso, parasitam: quando conseguem tomar o poder, mais cedo ou mais tarde, acabam a copiar o modelo dos verdadeiros representantes da classe operária. Fundam partidos comunistas e arvoram-se em herdeiros da Revolução de Outubro. Há dois exemplos, um mais antigo, outro mais recente, de tomada do poder pela pequena burguesia radical: em Cuba, com Fidel Castro, e na Venezuela, com Hugo Chávez.
Em Portugal, a luta pela liderança da «revolução» entre a pequena burguesia radical e a classe operária tem, desde a fundação do Partido Comunista, no início dos anos 20 do século passado, três etapas: a primeira, foi travada no interior do Partido Comunista até aos anos 60 (excepção feita a correntes residuais, anarco-sindicalistas ou trotskistas, que actuavam fora do PCP). A luta entre as duas linhas, os desvios de esquerda e de direita na história do PCP, e outras coisas do género são o reflexo dessa obsessão da pequena burguesia radical em querer dirigir o «processo revolucionário». A segunda etapa, tem início em meados dos anos 60. Sobretudo, entre os finais dos anos 60 e a primeira metade dos anos 70, quando a pequena burguesia radical travou o seu primeiro combate pela hegemonia do «movimento operário e popular» fora do Partido Comunista. Foi a altura em que, inspirados pela cisão do movimento comunista internacional, a pequena burguesia radical, a partir do movimento estudantil, procurou constituir um outro Partido Comunista, o verdadeiro, que substituísse o partido da classe operária. Provocaram alguns danos ao partido da classe operária, sobretudo em 74/75, mas a pequena burguesia radical de fachada socialista perdeu a contenda. Ainda apresentou publicamente simulacros de partidos comunistas: o PCTP/MRPP, o PCP (m-l) ou PCP (Reconstruído), mas a coisa não pegou. Depois de muitas «reflexões» e muitos desaires, em meados dos anos 90, encapotaram as vaidades pessoais, próprias da «classe», e iniciaram uma nova etapa, a terceira, de luta pela liderança da «revolução»: juntaram-se todos numa caldeirada explosiva: os que estavam dentro do partido da classe operária, mas que perceberam que aí o espaço de manobra para a pequena burguesia radical desaparecera, os que fundaram partidos comunistas alternativos, com Estaline entre os cinco violinos, os velhos trotskistas, gente dispersa e sem paradeiro certo.
Hoje, disputam ao PCP, a liderança da «revolução», no terreno da «democracia parlamentar».
Continuam, como sempre, sem modelo de sociedade. Ora se acham apenas «socialistas de esquerda», – o desvio de direita – ora se acham únicos herdeiros de todas as tradições revolucionárias da humanidade, desde a guilhotina até ao gulag – desvio de esquerda. Medeiam entre a impaciência e castração. A pequena burguesia radical é assim: revolucionariamente pequeno-burguesa, apesar de se terem em alta consideração.
Carlos Vidal (5 Dias) escreve com clareza, preto no branco, aquilo que a «esquerda» – do BE ao PCP – pensa e diz à boca pequena, mas não escreve E aí se contém todo um programa político de conquista de poder pela «esquerda» totalitária por via «parlamentar». Ou seja:
1. Não morrem de amores pelo regime democrático parlamentar.
Em primeiro lugar a questão do regime. Este não serve. Assim, uma vez alcançado o poder, utilizando esta coisa da «democracia parlamentar», teria início, de imediato, a constituição de sovietes de fábrica, de bairro, de professores, e por aí fora, sob a direcção política dos «partidos de esquerda». A curto prazo, os sovietes substituiriam a «democracia parlamentar». Esta «história» já é conhecida, sobretudo desde 1917. Sabemos no que deu e como acabou. Para disfarçar, até lhe podem chamar «socialismo do século XXI», como os «teóricos» de Hugo Chávez. Mas acaba da mesma maneira: a ditadura de uma nomenclatura partidária, auto-intitulada de «vanguarda», que sabe o que o povo quer e, por isso, lhe impõe a «construção do socialismo». Para quem não estiver de acordo (e só não estão de acordo os inimigos do povo) há as prisões, os gulags e a tortura.
2. O maior inimigo da esquerda é o Partido Socialista.
Esta «esquerda», a «esquerda» totalitária, para alcançar o poder e iniciar a construção do «socialismo do século XXI» – uma sociedade sovietizada – tem pela frente um sério inimigo: o Partido Socialista. Na verdade, o maior inimigo da «esquerda» totalitária é o Partido Socialista. Aliás, sempre foi assim. O PS está hoje onde sempre esteve, desde a sua fundação, pela mão de Mário Soares. Foi assim, nos idos de 74/75, cujo símbolo é a Fonte Luminosa, onde teve de enfrentar a «esquerda» totalitária e a extrema-esquerda, quer de inspiração albanesa, quer de inspiração trotskista. Foi assim com a consolidação do regime democrático, com a integração na CEE e por aí fora. O PS optou, desde a sua fundação, por construir uma «sociedade mais justa» no quadro dos regimes democráticos e de economia de mercado. O PS nunca andou nem pela III, nem pela IV Internacional. Estou convicto que os portugueses têm mais liberdade, mais democracia, mais bem-estar, mais direitos sociais e culturais nesta «sociedade capitalistas» do que teriam se a «esquerda» totalitária tivesse destruído o PS e tivesse conduzido Portugal para as «amplas liberdades» das «democracias populares».
3. Que este PS, debaixo da pressão de Manuel Alegre, e se este o quiser encetar, se fragmente irremediavelmente numa ala verdadeiramente de esquerda (e não anticomunista primária) e noutra ala centrista-liberal: o PS necessitaria de se fragmentar em dois partidos para que a esquerda em Portugal tivesse futuro.
O PS é o principal inimigo da «esquerda» totalitária. Por isso, é necessário dividi-lo, fragmentá-lo, destruí-lo. Desde sempre, foi esse o objectivo da «esquerda» totalitária, do PCP à extrema-esquerda. No passado houve várias tentativas de fragmentação. Foi assim com Manuel Serra ou com Lopes Cardoso, por exemplo, a partir de dentro; ou com o «eanismo», a partir de fora. Todas as tentativas foram mal sucedidas. Tão mal sucedidas que o PS veio a alcançar a maioria absoluta. A «esperança» de destruir o PS vira-se agora para Manuel Alegre. Dividir o PS ao meio é um objectivo claro da «esquerda» totalitária, da caviar à da faca na liga, como meio de destruir a «democracia parlamentar» e substitui-la pela única alternativa possível - a «república dos sovietes».
4. Que o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português somem votações na casa dos
Com o PS fragmentado, por via interna, com o BE e o PCP a somarem
3. Por fim, para ser ainda mais claro, prefiro um PSD no poder e esta reconfiguração em movimento, do que este PS no governo e esta reconfiguração definitivamente sem hipóteses de andamento.
A fim de criar condições mais favoráveis à «revolução bolchevique», e enquanto o PS se mantiver forte, mais vale estar a «direita» no poder – dizem. Era melhor uma ditadura de direita, desenterrar outro Salazar, mas como isso não se mostra viável, a «esquerda» totalitária já se contenta com o PSD no Governo. Mais claro do que isto não é possível.
Esta noite, no Teatro da Trindade, há comício das «esquerdas». Manuel Alegre é cabeça de cartaz. Atrás do deputado socialista, à babuja, caminha o BE. Depois, segue a procissão de deserdados. O andor ficou recolhido na Igreja: o PCP tem o mérito de não alinhar em «caldeiradas» pequeno-burguesas.