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Salazar o maçon, de Costa Pimenta (Bertrand Editora).
A minha prima Hermenegilda nunca se iniciou na maçonaria, nem lhe passa pela cabeça o que é o Rito Escocês Antigo e Aceite ou a Prática das Ordens de Sabedoria do Rito Francês, porque nunca a convidaram. Ainda hoje, é uma frustração que carrega às costas, como uma cruz. O seu deslumbramento por sociedades secretas, mitos e rituais, Templários e Rosacruz nasceu, em finais dos anos setenta, do esotérico vazio em que se afundou quando trocou de marido e este lhe exigiu que saísse do MRPP. Queria, então, trocar a verdade absoluta do marxismo-leninismo por qualquer coisa que, nos tempos livres, lhe alimentasse a alma e as convicções. Ainda me bateu à porta, nos anos oitenta, convencida que eu podia «encontrar a pessoa certa» que lhe facilitasse a entrada na maçonaria. Na altura, com ar sério para não denunciar o engano (a Maria Helena Carvalho dos Santos que me perdoe), respondi-lhe que não permitiam a iniciação maçónica a quem tivesse frequentado a catequese, feito a primeira comunhão e casado na Igreja. (O que era o caso da Hermenegilda, com a agravante de ter entrada na Igreja da Memória, ali onde o D. José I apanhou um tiro no braço, vestida de branco e transportando, com ar cândido, um ramo de laranjeira, como se de uma virgem se tratasse, quando já dormia com o rapaz há quase dois anos). Fixou-me, com o seu olhar de carneiro mal morto, e esboçou uns ligeiros impropérios contra a Igreja, o Papa e os padres, à laia de justificação, mas não lhe facilitei a conversa. E, agora, no sábado passado, quando eu estava no estádio do Algarve a aguardar a marcação das grandes penalidades, na final daquela taça que não lembra a ninguém, entre o Benfica e o Sporting, a Hermenegilda me telefona, como é seu hábito nestas ocasiões. Hesitei: atendo ou não atendo o telefone. Mas não resisti à curiosidade, e atendi. Sem intróitos, nem boas-noites, despejou o saco: - «Com que então o Salazar também era da maçonaria». Respirei fundo, enquanto Ramagnoli ajeitava a bola, e perguntei: - «Só descobriste agora?» Respondeu-me de imediato: - «Não te armes em sonso». Tiago defendeu o remate de Aimar, enquanto eu respondia: - «Hermenegilda, pensa: porque é que o Carmona só largou a presidência da República quando morreu? E o Sarmento Rodrigues, ministro do Ultramar; e o Santos Júnior, ministro do Interior, e o Palma Carlos, procurador à Câmara Cooperativa? Achas que Salazar não sabia que todos eles eram pedreiros-livres?». Rochemback imitou Aimar, permitindo a defesa de Quim. Hermenegilda ficou em silêncio uns segundos. Depois, interrogou-me: «Mas tu achas mesmo que Salazar foi maçon?». Pela pergunta, percebi que estava desorientada. Respondi no momento em que Moutinho metia a bola na baliza: - «Claro que sim. Foi maçon, putanheiro e tudo, e só não foi um grande democrata porque os tempos não estavam de feição». Desligou sem uma palavra de despedida. Quase não vi o Quim defender os remates de Derlei e de Postiga. Fiquei meio aparvalhado a tentar perceber porque carga de água até a minha prima Hermenegilda, mulher culta e arejada, acredita que António de Oliveira Salazar era maçon.