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1. A Cristina, a Sofia e o Rui Perdigão, três das minhas leituras habituais, desafiaram-me a contar onde é que eu estava no dia 24 de Abril de 1974. Com atraso, e laivos neo-realistas, próprios da época, aqui vai: morava, então, na Mouraria e, todos os dias, às sete da matina, descia a pé até à Rua da Palma, onde apanhava um autocarro para Sacavém – para a Escola Prática de Serviço de Material, o quartel onde cumpria o serviço militar obrigatório. A minha memória do «antigamente» está muito presa aquela casa, na Mouraria. Um ano antes, nos primeiros dias de Abril de 1973, bateram-me à porta já depois da meia-noite. O «carteiro» foi breve e lacónico: - «o fulano tal falou na Pide, houve uma vaga de prisões, e eu vou partir agora para Paris. Ele não deve ter falado de ti e, por isso, tens de aguentar isto». Estas coisas eram assim: simples e directas. Fechei a porta e tomei, de imediato, a decisão que me pareceu mais racional: queimar todos os papéis manuscritos irremediavelmente comprometedores em caso de prisão, sobretudo actas de reuniões, relatórios de actividades e por aí fora. Munido de todos os papéis e de uma caixa de fósforos, instalei-me na casa de banho madrugada adentro. A operação era simples: enchia a sanita de papéis, pregava-lhe fogo e via-os arder até se desfazerem em cinza negra. Com muita mágoa pela informação derretida. Depois, puxava o autoclismo e repetia a operação, enquanto o estuque do tecto enegrecia aos poucos. Lá para as três da manhã, à quarta ou quinta queimada, a sanita estilhaçou-se em migalhas envoltas num estrondo que mais parecia uma bomba do que porcelana de Valadares. Aguardei, em tremedeira e batidas cardíacas descontroladas, que os vizinhos me batessem à porta, acompanhados da polícia, enquanto procurava, com ingenuidade, forjar uma «explicação» para o sucedido. Não aconteceu nada: os vizinhos – à portuguesa – não se deram ao incómodo de saber a razão de serem acordados com um estrondo daqueles às três da manhã. Foi pois, desta casa, que a 24 de Abril de 74, fiz o percurso habitual até Sacavém. Naqueles dias, circulavam «informações» de que o pessoal das Caldas iria reagir, mas nada que me convencesse. No dia 25 repeti e percurso e fiquei «aquartelado» até 30 de Abril, dia em que me «levaram» para Caxias guardar os «pides» que, entretanto, iam chegando à medida que iam sendo apanhados. Só voltei «à vida», só respirei os novos ares de Lisboa a 4 de Maio. Tão perto e tão longe dos acontecimentos.
2. O meu amigo Rui Perdigão, o José Simões e a Eugénia de Vasconcellos tiveram a amabilidade de atribuir ao Hoje há conquilhas o prémio Este blogue é tão bom que até arrepia, o que para mim significa que lêem o que por aqui se escrevinha com agrado. Retribuo na mesma medida porque, qualquer dos três, são leituras recomendáveis. Devo nomear outros blogues que aprecio e que leio com agrado. Podia nomear várias dezenas, de pendor mais político ou de pendor mais cultural, mas hoje fico-me pelo pendor mais local: A defesa de Faro, Avenida Central, Nabantia, Praça da República em Beja (o meu amigo João Espinho não se livra destas nomeações) e Casario do Ginjal.
3. A Adriana – a socrática que mais admiro – e o Ricardo & Companhia decidiram atribuir-me o prémio Jovens que pensam. Bom, como diz a Adriana, Pensar, penso, mas já não sou legalmente jovem! Lisonjeia-me a atribuição, a qual agradeço, mas preocupam-me os legalmente jovens que não pensam. E há por aí muitos, infelizmente.