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(Foto de LM Correia, Rocha Conde de Óbidos ).
Eu leio-os, como quem lê epitáfios. E em cada leitura, cada vez mais, «há, nos olhos meus, ironias e cansaços». Eles «não sabem, nem sonham» como há 40 anos, ali, na Rocha de Conde Óbidos, o cais fervilhava de gente de trabalho e a actividade portuária e a reparação naval eram as únicas actividades por aquelas bandas. Um quiosque madrugador servia o «pequeno-almoço» aos operários do estaleiro naval e aos estivadores e marinheiros, entre as 7 e as 8, ainda «eles» dormiam a sono solto. E os barcos aportavam uns atrás dos outros. E os guindastes se perfilavam atarefados nas cargas e descargas. E os sacos eram alombados por homens de trabalho. O porto – o Porto de Lisboa – como diziam as placas em letras negras em fundo branco, era (e é, ainda) o modo de vida de milhares de pessoas. Era um tempo em que eu, com 18 anos, de fato-macaco, palmilhava a zona, à hora de almoço, à procura da refeição mais barata. E por lá nunca encontrei as outras «pessoas», aquelas que , hoje, não querem que os contentores lhes ofusquem as vistas . E, muitos deles, têm a minha idade. Os cais, os guindastes, as gaivotas, as tascas, o rio e o cheiro a maresia eram só «nossos». Naquele tempo, aquelas «pessoas», que hoje querem contemplar as vistas, não se queriam misturar com operários a cheirar a nafta e estivadores a cheirar a suor. Mas, hoje, Lisboa já é das «pessoas», como é de bom tom e democraticamente aceite. É de quem contempla as vistas, de quem almoça em restaurantes caros, de quem escreve nos jornais. Não é de quem trabalha no porto; de quem tem de levar o salário para casa para sustentar a família, mas de quem quer contemplar as vistas. Para ser rigoroso, no entendimento dessas «pessoas», o porto de Lisboa deve ser de quem tem casa no Alentejo, escreve nos jornais, bota palavra nas televisões e, para descontrair de tanta azáfama, quer vistas largas sobre o rio. Isso de operários, contentores, trabalho, produção, e outras merdas desse tipo só lhe atrapalha a vida e cheira mal. Sobretudo a suor, o que «eles» detestam. Eles, com o dinheiro que ganham por andar nestas andanças da «opinião», gostam mais de passarinhos!
PS: Penso ter respondido, com este texto, a todos os e-mail recebidos e a outras referências blosgosféricas sobre o meu post sobre o porto de Lisboa.