A história política do século XX conheceu momentos grandiloquentes e únicos, onde se travaram combates ideológicos e políticos no terreno, minuto a minuto, como nos dias da revolução francesa. Destaco, entre todos, a revolução de 1917 na Rússia (sem esquecer o ensaio geral em 1905); 1968 na Checoslováquia; e 1974, em Portugal. Cada um desses momentos teve, naturalmente, as suas circunstâncias e os seus protagonistas. Em 1917, na Rússia, os protagonistas foram Kerensky, pelos mencheviques, e Lenine, pelos bolcheviques. Entre Fevereiro e Outubro desse ano, cada minuto contou para o desfecho final. Lenine e os bolcheviques, em Outubro, tomaram o poder e, com essa vitória, iniciaram a «construção do socialismo». A Duma foi substituída pelos Sovietes, e a «democracia burguesa» pela «ditadura do proletariado». Hoje sabemos como essa primeira experiência evoluiu e como acabou, mas aquela meia dúzia de meses, em 1917, marcaram o século XX. Quase 60 anos depois, em Portugal, os bolcheviques, chefiados por Álvaro Cunhal, e os mencheviques, com Mário Soares à cabeça, defrontaram-se quase nos mesmos termos. Desta vez, durante mais de um ano, entre Abril de 1974 e Novembro de 1975 repetiu-se o combate ideológico e político no terreno, minuto a minuto. O cerne da disputa estava no mesmo lugar: «Democracia burguesa» ou «ditadura do proletariado». Álvaro Cunhal não teve a ousadia, nem a facúndia de Lenine nos momentos decisivos. Amedrontou-se e foi derrotado (a entrevista de Cunhal a Oriana Fallaci, vista à distância, é um dos flagrantes testemunhos da falta de visão do líder comunista). Nem Mário Soares se dispôs a fazer o papel de Kerensky. Hoje sabemos como a primeira experiência de «construção do socialismo» debaixo da «ditadura do proletariado» evoluiu e como acabou. Mas, não sabemos, nem nunca saberemos, como toda esta história se desenvolveria na URSS, apesar da Primavera de Praga, caso os bolcheviques, chefiado por Cunhal, tivessem ganho o combate e, Portugal, seguisse a experiência da «construção do socialismo» debaixo da «ditadura do proletariado», entalando a Europa numa tenaz.
PS: Esta lenga-lenga (escrita há 8 anos como nota de leitura a um livro sobre a revolção russa) assemelha-se a conversa de arqueólogo, mas não é por acaso que, ainda hoje, mal descobrimos umas pedras romanas as preservamos como património histórico. O património ideológico e político também deve ser preservado para que o futuro não nos reserve surpresas.
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