Meu caro João Gonçalves: independentemente de pequenos episódios, como o «número« de ontem, protagonizado por Cavaco Silva, quanto ao essêncial, dizes que o regime está em crise. Claro que está! Mas, como sabes, a crise do regime não é de hoje, nem de ontem, nem é só cá neste cantinho, em que as elites, em geral, são endemicamente invejosas e culturalmente pequeninas. É também por essa Europa fora a começar em Itália e a acabar em França, cujo presidente, e cujo regime tu tanto admiras, usando para isso, naturalmente, outros critérios de avaliação. É um processo degenerativo de envelhecimento da democracia. E não são só as células que vão morrendo. Com a idade e a experiência ganhou manhas e truques que usa, em cada situação, umas vezes para enganar o Zé pagode; outras por mera preguiça. O problema está nas soluções regenerativas (ou alternativas) da democracia tal como ela «existe». Uns esforçam-se por vender, como alternativa, o modelo soviético como solução. Tecem elogios à Revolução de Outubro, citam Marx e Lenine a torto e a direito, e dizem que em Cuba e na Coreia do Norte o povo é feliz. Prezo demasiado a liberdade e a democracia e mando-os bugiar. Conhecemos o que foi (e ainda é) o «socialismo real» para lhes não abrir a porta. Outros – nos quais, muitas vezes, te incorporas - acenam com um «messianismo» abstracto: isto precisa é de alguém, com pulso forte e cacete na mão, para «meter na ordem» a mediocridade e a bagunça reinantes. Por formação democrática não acredito em «salvadores» e muito menos em «pulsos fortes e cacetes na mão». Nem em Deus eu acredito, quanto mais em homens «providenciais». Posto isto, resumidamente, entendo que é no quadro da preservação da liberdade e da democracia que devem ser encontradas as soluções de regeneração e de bem estar colectivo. E neste processo, a «desmontagem» do regime, tal como tu sistematicamente o fazes, é um precioso contributo, tal como outras «desmontagem», vindas do PCP e da extrema-esquerda, são úteis. Temos os partidos que temos e não outros; temos os dirigentes que temos e não outros - são os que os portugueses conseguiram produzir. Não se fabricam nas Caldas… mas continuamos a luta por dias melhores. É a vida!
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