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Vítor Gaspar fez, hoje, agora consultor do Banco de Portugal, numa comissão de inquérito, mais uma das suas já célebres previsões: "Maria Luís Albuquerque agiu de forma exemplar".
Este novo governo que, amanhã, apresenta o seu programa na Assembleia da República, sob a forma de uma moção de confiança, vai ter (já tem) uma retórica diferente do anterior, mas sobretudo tem um novo instinto de sobrevivência. Passos Coelho, que é duro de ouvido, apesar das suas conhecidas ligações à música, deu-se ao luxo de tratar, durante dois anos, tudo e todos aos pontapés, desconsiderando, em primeiro lugar, os portugueses, mas também os parceiros sociais, os partidos da oposição e, também, o seu parceiro de coligação. Partiu do princípio que não havia humilhação que fizesse Paulo Portas largar o pote, nem destruição do país que fizesse o senhor presidente da República convocar eleições antecipadas. O resultado está à vista: a partir de agora, tem de andar com Paulo Portas ao colo, como se fosse o Santo António a levar o menino Jesus; tem de ir ao beija-pés, às quintas-feiras, ao senhor de Belém, como se todas as semanas fossem santas e, pior ainda, tem de declarar, todos os dias, que quer formar uma “união nacional” com os socialistas. Com toda esta penitência que lhe foi imposta, ainda há quem diga que Passos Coelho, o suposto primeiro-ministro, foi o vencedor desta crise.
Marcelo Rebelo de Sousa, com ar bem disposto e a fungar, disse hoje que a actual ministra das Finanças é um peso-pluma, sem qualquer capacidade política para discutir com a troika. Por isso é que foi atribuída essa missão a Paulo Portas. Isto é o que se chama espezinhar quem já está de rastos.
"Sejam construtores do futuro. Não sejam cobardes na vida. Saiam às ruas." - disse o Papa Francisco a três milhões de pessoas, ontem, em Copacabana, no Rio de Janeiro.
O discurso político, sobretudo o do poder, está cada vez mais indigente, inculto e alarve. Dizem os jornais que Passos Coelho disse, hoje, em Vila Pouca de Aguiar: "não acredito que a Constituição impeça reformas". Quais reformas? Que medidas? Quer reformar as Parcerias Público Privadas e os contratos swaps tóxicos, retirando lucros aos bancos ou quer despedir funcionários públicos e baixar ainda mais as pensões de reforma? "Não acredito que a Constituição impeça reformas" é o grau zero do discurso político.
O famigerado acordo ortográfico não tocou na palavra mentira, mas a senhora ministra das Finanças virou tudo de pernas para o ar sobre a dita palavra. O melhor é começar a dizer "eu não mencti".
Uma moção de censura ao governo apresentada por um partido, com representação parlamentar, que não sabe se há algum eleitor que nele vote é, no mínimo, uma brecha no sistema eleitoral; uma moção de censura a um governo moribundo, às portas da morte, que se sabia que iria ser rejeitada, nesta altura, permitiu que o governo mostrasse que ainda existe; até parece que esta moção de censura se destinava mais a “entalar” o PS do que o governo. Não me admira se foi esse o objectivo: os “verdes” já tinham votado com Paulo Portas e Passos Coelho para derrubar um governo do PS.
O governo PSD-CDS-PP- Cavaco Silva estava a apodrecer ao sol deste Verão. Em Setembro, o mau cheiro chegava a Helsínquia, a mais distante capital da União. Nas veias do governo, já só circulavam fracassos políticos e ódios pessoais. Gaspar, Portas, Coelho, Maria Luís Albuquerque - personagens de alguidar e faca da liga - estavam na cova à espera que lhe atirassem terra para cima. Antes de ir pernoitar às Selvagens, o senhor presidente da República pediu a António José Seguro que desse vida àqueles mortos. Se o líder do PS conseguir a ressurreição de Passos Coelho e Paulo Portas, morre com o esforço.
O PS, e sobretudo o seu secretário-geral, António José Seguro, teve nesta situação pós intervenção do senhor presidente da República uma oportunidade única de abandonar definitivamente o medo de perder eleitores à direita, e dizer abertamente: senhor presidente, lamentamos muito, mas não estamos disponíveis para nos sentarmos à mesa à procura de um "compromisso" impossível de alcançar com estes senhores. Se o senhor presidente não convoca eleições antecipadas, então, entenda-se com eles. Agindo como agiu ampliou o pântano e a mentira em que vivemos.
Perante uma crise política grave, aberta com a demissão do ministro das Finanças que, de facto, governou o país durante os últimos dois anos, o senhor presidente da República, em prol do que considera ser a “estabilidade política” necessária à nossa condição de país “intervencionado”, apresentou aos portugueses, num discurso televisivo solene, e em tom grave, para resolver os problemas da governação, uma não-solução, a qual mereceu, de imediato, o aplauso de todos os condes de Abranhos, da política e do jornalismo, que povoam as nossas praças há, pelo menos, dois séculos. Alguns, menos reservados, gritaram: “Temos Presidente”, sinal evidente do marasmo apodrecido em que tudo isto se afunda. O primeiro resultado visível foi obrigar um não-governo, em trânsito para a tumba, a apresentar-se na Assembleia da República, na sexta-feira, a encenar uma comédia, do tipo “Daqui fala o morto”, como se estivesse a falar no Estado da Nação.
O Partido Socialista, no seu site oficial, criou um espaço para informar sobre o andamento desta bizarra exigência do senhor presidente da República denominada "Compromisso de Salvação Nacional" - uma iniciativa louvável. A última informação, de hoje, às 19h35m, diz-nos que foram "identificadas as questões fundamentais com vista à obtenção de um "Compromisso de Salvação Nacional" com a máxima brevidade". Conseguir identificar as "questões fundamentais" colocadas pelo senhor presidente da República já representa um trabalho notável, digamos que é obra. Agora, que as questões foram identificadas por tanta gente ilustre, esperemos o que se segue. Tenhamos paciência.
Tudo isto que se está a passar é burlesco. O senhor presidente da República sabe, muito bem, que os partidos do governo e o PS não vão chegar a nenhum "compromisso"sobre o que quer que seja; o CDS-PP e o PSD sabem que não vão chegar a nenhum "compromisso" com o PS, e este sabe que não quer nenhum "compromisso" com mortos a caminho da cova. Cavaco Silva quis dar um ar da sua graça e o resultado foi prolongar a agonia de um governo ligado à máquina de Belém. Este comportamento do senhor presidente da República só pode ser entendido como vingança pessoal contra Passos Coelho e Paulo Portas antes de convocar eleições antecipadas. Se não for esse o objectivo, então, podemos considerar, e desculpem-me de meter Freud ao barulho, que se trata de um caso de loucura ainda não detectado.
O país político vive de aparências, cobertas por grande parte da comunicação social, que defraudam a democracia. É preciso chamar os bois pelos nomes. Neste momento, temos uma aparência de governo e não temos um primeiro-ministro - aquele que orienta o rumo do governo, o homem do leme. Já estávamos a ser governados por um governo de iniciativa presidencial, mesmo que informal, chefiado por Vítor Gaspar. A ida a Belém, num sábado à tarde, em começos de Abril, de Vítor Gaspar, depois da declaração de inconstitucionalidade de normas do OE, formalizou a situação. O discurso do senhor presidente da República, no dia 25 de Abril, tornou inequívoca a iniciativa presidencial desse governo. Mas, numa manhã de canícula, Vítor Gaspar desertou. A proposta do governo para que o ex-ministro das Finanças fosse substituído por Paulo Portas, como o homem do leme, não mereceu a aprovação do senhor presidente da República porque não confia no antigo director do Independente, e muito menos no ainda presidente do PSD que, neste jogo de aparências, insiste em se fazer passar por primeiro-ministro. O senhor presidente da República quer outro governo de sua iniciativa, agora sem subtilezas, e com desprezo total pelas mais elementares regras da democracia. Um governo com um programa para quase uma década, que o ponha a salvo de interferências eleitorais, porque isso são coisas irrelevantes que irritam mercados e credores. E ainda há quem aplauda esta tentativa de nos arrastar para este lamaçal. Quem não perceber o que está aqui em causa é porque não percebeu como muitas democracias degeneraram em regimes autoritários, em ditaduras, por iniciativa ou com o apoio de muitos democratas.
O senhor presidente da República veio ontem dizer, com clareza, que não quer eleições antecipadas, nem quer este governo, seja em que versão for. Sem usar da mesma clareza, o que obriga a decifrar a mensagem, propõe a formação de um governo de sua iniciativa, à volta de uma personalidade por si escolhida, certamente, e com apoio parlamentar dos três partidos que assinaram o memorando – PS, PSD e CDS-PP -, os quais se amarrariam num entendimento para depois de “eleições” a realizar depois de Junho de 2014. As primeiras “soluções” para suspender a democracia começam a surgir em Portugal. Como esta “solução” vai dar em águas de bacalhau (O PS já reafirmou que não apoiará, nem fará parte de nenhum Governo sem que os Portugueses manifestem democraticamente a sua vontade, através da realização de eleições), o senhor presidente da República irá ser obrigado a dissolver o Parlamento e convocar eleições antecipadas. Só que, com esta tentativa de formar um governo presidencial, vai prolongar por mais tempo esta agonia, a instabilidade política e a degradação económica do país.
Vítor Gaspar vai regressar ao Banco de Portugal, de onde nunca devia ter saído. O ex-ministro das Finanças que, de facto, dirigiu o governo de Portugal nos últimos dois anos, independentemente das suas competências técnicas, seja isso o que for, ou das suas qualidades humanas, que desconheço, não estava preparado para lhe ser entregue a governação de um país, por incompetência política de quem se candidatou a primeiro-ministro, por três razões:
Primeira – Agiu sempre com o servilismo e a obediência hierárquica própria de um consultor ou de um chefe de departamento perante a troika e as instruções de Berlim, sendo incapaz de perceber que fazia parte de um governo de um PAÍS SOBERANO e não de uma qualquer organização de estudos económicos de um qualquer Banco, seja o de Portugal, seja o BCE ou qualquer outro.
Segundo – Não estava preparado para GOVERNAR EM DEMOCRACIA e daí não perceber que existem tribunais constitucionais, parceiros de coligação, partidos de oposição e parceiros sociais a respeitar. À menor contrariedade, perante os obstáculos às suas decisões, fazia uma cena e dizia que se ia embora. Foi assim, na TSU. Foi assim, aquando da declaração de inconstitucionalidade de normas do OE de 2013. Para lhe conter a ira, Passos Coelho levou-o, num sábado à tarde a Belém, para Cavaco Silva lhe garantir que a democracia era um treta.
Terceiro – Pertence a uma “escola” de pensamento económico-ideológico que DESPREZA E IGNORA AS PESSOAS, as suas vidas e as suas dificuldades, aprisionando-as, não em Caxias ou em Peniche, mas em folhas de Excel.
Os resultados desta combinação estão à vista: não controlou o défice e aumentou o desemprego; empobreceu os portugueses e aumentou a dívida externa; atirou Portugal para o abismo. O “regresso aos mercados” são uma treta. Resta-lhe os elogios de Berlim – mas esses elogios são uma ofensa a Portugal e aos portugueses.