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Paira no ar um tempo amaldiçoado, de revanche. Uma crise do sistema, provocada pela ganância do mundo financeiro e do sistema bancário, está a servir de trampolim, sobretudo na Europa, para a destruição dos equilíbrios e dos progressos sociais até então alcançados. Os que provocaram esta crise estão, agora, a “resolvê-la” como lhes apetece, apoiados por um exército de peões de brega. Até parece que tudo foi estudado ao milímetro, ao pormenor, para alcançar estes resultados. Como vendedores de mantas em feiras, lá vão gritando, quando se lhe pergunta: de quem é a culpa de tudo isto? De quem é? Eles respondem: é “deles” – desses quase 5 milhões de portugueses que ganham, em média, 700 ou 800 euros mês. E, então, agem em conformidade. Baixem-lhes os salários – dizem uns; despeçam-nos sem indemnização, dizem outros; aumentem-lhes os impostos – gritam todos; acabem com o código do trabalho, diz a menina lá do fundo; aumentem-lhes os dias de trabalho, vocifera aquele senhor da terceira fila que já tinha pedido penas de prisão pesadas para grevistas e outros malandros; reduzam as férias e não se esqueçam dos feriados, essa malandragem quer é ganhar sem trabalhar, diz uma louca desgrenhada que escreve em jornais; funcionários públicos, os funcionários públicos, a esses tirem-lhes o que puderem – diz o engravatado da primeira fila; acabem com isso da Saúde e da Educação à borla, “eles” que paguem, “eles” que paguem – repete, com voz esganiçada, aquele rapaz de 24 anos, assessor de um ministro, a ganhar 4 227 euros mês. E disseram mais, mas o governo ainda não teve tempo para aplicar. É esta revanche contra a maioria dos portugueses que estamos a viver, em nome da “luta contra” crise e da “reforma” do sistema. A Comuna de Paris ou o Soviete de São Petersburgo nasceram num movimento de Contra-Reforma. E depois não digam que eu não vos avisei!
A Gina, de apelido Rinehart, é australiana. Dizem as revistas da especialidade que é a mulher mais rica do mundo. Herdou do paizinho um grande negócio mineiro, é também accionista de uma das três maiores redes de televisão australianas, e tem a maior parte das acções do segundo maior grupo de jornais do seu país. A Gina, cuja fortuna pessoal se estima em 25 mil milhões de euros, travou batalhas judiciais com quase todos os membros da sua família, incluindo os filhos, para controlar sozinha os negócios herdados. É exageradamente anafada, pouco dada a modas e a eventos sociais, segundo as notícias, atributos completamente irrelevantes para o caso. Relevante é que ganha 500 euros por segundo. Repito, para que não pareça uma gralha: 500 euros por segundo. As notícias não pormenorizam se estes proventos entram só durante o “horário de trabalho” ou se o contador não pare mesmo quando está a dormir. Ora, a Gina, a semana passada, num artigo de jornal, pediu ao governo australiano que baixasse o salário mínimo dos trabalhadores australianos – quantia à volta dos 500 euros por mês (agora, não é por segundo é por mês). E aos pobres deixou no seu escrito um conselho: “não sejam invejosos, e deixem-se de lamúrias, fumem e bebam menos, passem menos tempo com os amigos e trabalhem mais”. Compreende-se a preocupação da senhora: os trabalhadores das suas minas, depois de um dia passado nas catacumbas a adquirir silicose e outros males, por 500 euros mensais, às seis da tarde, querem vir à superfície, e ir para casa descansar ou curtir as mágoas da sua penosa existência com um grupo de amigos à volta de uma cerveja. Nesta altura, a Gina deve começar a dar gritos estridentes, e entra em histeria convulsiva, assim entre os orgasmos múltiplos e a epilepsia, ao ver a máquina registadora deixar de tilintar. Por muito menos, uma outra Gina, noutros tempos, a Maria Antonieta, perdeu o colar de pérolas que lhe embelezava o pescoço esguio.
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