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Jornais de todo o mundo se referem, hoje, ao conteúdo dos 250. 000 documentos provenientes de embaixadas do Estados Unidos ou do departamento de Estado obtidos e divulgados pela Wikileaks. Tudo o que até agora foi divulgado está aquém, muito aquém, do meu imaginário. Longe, pois, vão os tempos da guerra do Vietname, da guerra-fria ou do derrube do governo constitucional de Salvador Allende. Outro aspecto que me surpreende é o descuido da protecção de confidencialidade dos documentos agora divulgados, o que significa, em última análise, que se tratam de relatórios e procedimentos comuns, rotineiros, nas relações externas e no mundo diplomático de todos os países que jogam na primeira divisão: China, Rússia, Israel, Alemanha, por exemplo. Finalmente, acrescento: acontece que é possível conhecer estes documentos provenientes dos Estados Unidos e nunca de outros países, o que é um sinal da vitalidade da democracia americana.
Ontem, nas eleições na Catalunha, a esquerda deu um grande trambolhão. O PS e a Esquerda Republicana perderam 15% de votos em relação a 2006. Os socialistas obtiveram o pior resultado de sempre. José Montilla, presidente da Catalunha e primeiro secretário do PSC, já anunciou que abandonará a liderança do partido no próximo congresso.
Leio nos jornais:
«Havana autorizou a abertura de pequenos negócios em 178 tipos de actividades, incluindo profissões como mecânico, jardineiro, encadernador, vendedor de frutas e legumes, relojoeiro, palhaço e contabilista. Estas medidas visam aligeirar o efeito do desaparecimento de 500 mil postos de trabalho na função pública, uma de várias medidas de austeridade aprovadas no Congresso do Partido Comunista, em Abril.»
Depois da queda do muro de Berlim, já lá vão mais de duas décadas, Fidel Castro percebeu, finalmente, o que soviéticos e chineses já tinham percebido: sem iniciativa privada não há socialismo. Falta-lhe perceber a outra variável: sem democracia também não. Mas está cada vez mais próximo. Jerónimo de Sousa, Francisco Louçã e Carvalho da Silva devem estar a mascar pastilhas elásticas.
Os portugueses já se habituaram à novela das contabilidades grevistas. As centrais sindicais dizem ter «paralisado o país»; o governo aligeira a carga e responde que o «consumo de energia» não baixou. Esta discrepância, para além da propaganda mediática, assenta na «alma portuguesa»: o pessoal não quer passar por «fura-greves», nem quer descontar no salário o dia de greve. E inventa: assistência à família, doença, dia de férias e por aí fora. Grevistas envergonhados. Apesar disso, uma acção de protesto, como a de ontem, é natural e desejável, sobretudo quando pioram as condições de vida. Reside aqui uma das virtudes da democracia – o direito à greve, o direito à manifestação e ao protesto. No entanto, sabemos – todos sabem, incluindo os dirigentes sindicais – que, em Portugal, a «greve geral» é sinónimo de «greve geral da Função Pública» (ou pouco mais). E que isso conta pouco. Hoje, um dia depois, nada se alterou e ninguém regista a «greve geral» como o primeiro dia do resto das suas vida. É a vida…
Os partidos da oposição, desde o CDS ao PCP, passando pelo BE, ainda não digeriram o sucesso da Cimeira da Nato, em Lisboa, sobretudo em matéria de segurança. Todos conhecemos o que se passa em todas as cimeiras da Nato (imagens acima em Estrasburgo, 2008): carros incendiados, montras partidas, feridos, prisões, etc. Para diminuir o papel que o Ministro da Administração Interna, Rui Pereira, teve neste êxito, a oposição anda às voltas com uns blindados que não foram entregues a tempo. Haja pachorra.
O primeiro-ministro «espera que a decisão da Irlanda de recorrer à ajuda externa trave “a especulação” e “acalme” os mercados». Não vai travar, nem acalmar, naturalmente. O que os vai travar e acalmar é uma rigorosa execução orçamental, em 2011. E um comportamento da economia ligeiramente acima das previsões recessivas. Pelo menos, no que se refere a Portugal. Mas não só os «mercados». Depois das eleições presidenciais ficam «todos» à espera, no fim do 1º trimestre, e após a tomada de posse de Cavaco Silva, do relatório de execução orçamental e do relatório do INE. Se o governo, para além do Orçamento, no decurso de 2011, ainda conseguir poupar mais do que o previsto, sobretudo cortando alguns regabofes descontrolados, os arautos da desgraça começavam-se a engasgar. Um ministro das Finanças com perfil político e pulso firme, tipo Medida Carreira (um arauto da desgraça que deixaria de ser), dava jeito.
O Papa aconselha o uso de preservativo em certas situações, desarmando os fundamentalistas católicos; a Nato e a Rússia, depois da cimeira de Lisboa, vão colaborar, desarmando os fundamentalistas da «guerra-fria»; os protestos anti-Nato, em Lisboa, para além da habitual passeata pela Avenida, ficaram reduzidos a folclore, desarmando os antigos amigos do Pacto de Varsóvia.
Muito poucos se indignaram, sobretudo aqueles que amiúde se indignam por dá cá aquela palha, com esta devassa, um atentado à privacidade pessoal e política e à democracia.
Como tudo na vida, a política tem subtilezas que a subtileza desconhece. Vejam o caso da Irlanda. Primeiro, o governo irlandês disse que não, nem pensar, estavam bem, assim, sozinhos, não queriam que o FMI entrasse por ali adentro. Num segundo momento, condescenderam, admitiram a hipótese, trocaram uns olhares. Agora, parece que se passeiam de mãos dadas, em Dublin, a negociarem o dote. Amanhã – ou daqui a meia dúzia de dias – o FMI entra por ali adentro. Não é amor à primeira vista, mas também não é nenhuma violação. A Irlanda – aquele modelo de desenvolvimento tão caro a Paulo Portas – precisa. Os irlandeses até vão gostar.
Depois de mais de oito anos de namoro (e de brincadeiras, como pular à corda e jogar ao berlinde), o príncipe William anunciou, através do seu pai, o noivado com Catherine Middleton, com quem deseja casar no Verão do próximo ano (tanto tempo à espera para dormirem na mesma cama). A decisão do noivado foi tomada no Quénia, onde estiveram no mês passados, os dois, a olhar as estrelas, em quartos separados. Estas aparências monárquicas, tão tontas, como impúdicas, quer queiram, quer não, também fazem parte da crise da Europa.
A intervenção (ou não) do FMI em Portugal é, nos próximos meses, uma questão política decisiva. Ao PSD convinha que o FMI entrasse quanto antes em Portugal. Se tal acontecesse, estaria em condições de exigir eleições antecipadas, mal o presidente da República eleito em Janeiro tomasse posse. Ao Governo socialista convém que não seja solicitada a intervenção do FMI. Enquanto isso não acontecer, mesmo depois das eleições presidenciais, o PS sempre dirá que a queda do actual governo (e eleições antecipadas) criaria a instabilidade política favorável à intervenção do FMI. O optimismo do primeiro-ministro leva-o a acreditar que, em Abril próximo, o governo apresenta provas de que é capaz de executar, com rigor, o Orçamento aprovado e, também, que os resultados económicos do 1º trimestre de 2011 estão em linha com as previsões do governo. Ou seja, sem recessão à vista. Nestas condições, qualquer instabilidade política será mal vista. Depois, fazendo ainda uso de doses industriais de optimismo, é repetir os resultados em cada trimestre de 2011 e chegar ao fim ano com os objectivos orçamentais cumpridos e o Orçamento para 2012 aprovado. Se repetir a receita em 2012 (provavelmente o ano mais difícil é 2011), então, José Sócrates terá condições favoráveis para disputar eleições legislativas em 2013. Esta é uma visão cor-de-rosa, mas não é inatingível. E os dirigentes do PSD sabem disso e temem este cenário. Por isso, desejam a entrada imediata do FMI em Portugal. Uma coisa é certa: o tempo que vivemos é muito volátil e quem tiver certezas, engana-se.
A Europa está madura para grandes transformações políticas e sociais, como no tempo da revolução francesa ou da revolução soviética. Agora, as exigências são outras: mais democracia, mais transparência, mas rigor nas contas públicas, melhor distribuição da riqueza produzida. As velhas soluções protagonizadas pelos partidos comunistas (entre nós pelo PCP e pelo BE) caducaram e, por isso, não mobilizam o descontentamento resultante da profunda crise em que vivemos. Ninguém produz uma ideia nova, um rumo – partir a loiça toda para construir tudo de novo. A filosofia alemã não produziu, em mais de um século, um outro Marx (ou mesmo um Hegel ou um Engels). Heidegger não deu uma para a caixa. A senhora Merkel (que não foi bafejada pela filosofia alemã) reúne num só corpo o pior das «duas» Alemanhas. Os socialistas, sociais-democratas, liberais ou democratas-cristãos andam todos aos papéis no caixote do lixo: estão à espera que o mundo volte a ser o que era. Não volta. E se não volta o que está para a frente é algo diferente, ainda indecifrável. Este era o momento da Europa dar o murro na mesa. Para sobreviver. Para decifrar o futuro. Mas não há pensamento político consistente que sustente o murro. E todos têm medo de partir o pulso, em vez de partir a mesa. Os «mercados financeiros» agradecem a inércia, enquanto por cá há quem acredite que um Passos Coelho ou um Paulo Portas podem resolver a situação. Haja juízo.
A estabilidade política não é um bem em si, sem mais; tal como a instabilidade também não é. Posto isto, Paulo Portas, no seu estilo peculiar, meio provocatório, meio arranjem-me um lugar no governo, lançou para a mesa uma proposta que lhe poderia devolver a «dignidade» de ministro a curto prazo (de Estado ou do Mar, tanto faz porque os tempos não estão para escolhas): um governo PS-PSD-CDS sem José Sócrates. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, também veio defender um «governo de coligação», PS-PSD, em nome da estabilidade política. Apesar de serem diferentes as motivações políticas e pessoais de um e de outro, uma coisa é certa: ambos escamoteiam que não há solução política à vista que não passe por eleições (antecipadas ou não). Mais: Pedro Passos Coelho e Paulo Portas terão de defrontar José Sócrates, enquanto secretário-geral do PS, nas próximas eleições legislativas. O resto é fogo de artifício.
Não há memória de nenhum casal beneficiar tanto com o desaparecimento de um filho.
Manuel Alegre continua vazio, sem nada a dizer, enquanto Ramos Horta deve estar a pensar que a vingança se serve fria.