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Nos últimos dias, a propósito do Orçamento de Estado para 2010, economistas caseiros, sobretudo ex-ministros, e economistas da OCDE têm distribuído receitas e conselhos, como quem distribui milho aos pombos. Cada um sabe da poda e aponta os caminhos para sairmos da cepa torta, apesar das receitas serem diferentes umas das outras. Cada um atira um condimento para este caldeirão da consolidação orçamental: entre subir as receitas e baixar as despesas; entre manter o crescimento ou entrar em recessão; entre a necessidade de investimento público e o preço do dinheiro. As variáveis são tantas, com os consequentes efeitos de cada uma delas na economia, que tornam o debate técnico redondo. Por isso, resta uma única questão: quem será penalizado eleitoralmente pela inevitável subida de impostos? O partido do governo, que elabora e propõe o OE, quer levar consigo, pela mão, o principal partido da oposição e, assim, repartir os agravos. Este barafusta, pretendendo resguardar-se, mas teme a penalização que lhe cairá em cima caso o Orçamento não seja aprovado e daí salte uma profunda crise política de consequências imprevisíveis, sobretudo ao nível da reacção dos mercados de capitais. Hoje, o Presidente da República vai falar com os dois partidos, o do governo e o da oposição. E, é quase certo, vai obter resultados. Cavaco Silva não arriscaria um fiasco a três meses das eleições presidenciais.
Manuel Alegre, em fim de carreira política (que no fundo se resume a trinta e tal anos sentado no Parlamento), candidatou-se à presidência da República, pela segunda vez, acalentando o sonho de ser o Hugo Chávez português, o cavaleiro andante do «socialismo do século XXI», o quebra-bilhas da Europa capitalista. Mas, para sua desdita, o poeta não tem os pergaminhos de militar de carreira do tenente-coronel venezuelano, nem Francisco Louçã, o seu inventor nesta segunda candidatura, tem força política para o levar ao colo até Belém. Para Manuel Alegre, enquanto candidato à presidência da República, mais pesada que a derrota eleitoral de Janeiro próximo, foi a estrondosa derrota nas eleições legislativas de Setembro de 2009, há precisamente um ano. O ex-deputado socialista apostou tudo na derrota do PS e num significativo crescimento eleitoral do Bloco. Procurou, ao lado de Louçã, no Teatro da Trindade e na Aula Magna, chamar ao BE os descontes de esquerda com a governação socialista e os órfãos partidários. Não perdeu, então, uma única ocasião para se vilipendiar o partido onde sempre se abrigou, ameaçando dia sim, dia não com a formação de outro partido. O sonho parecia simples e exequível: 1) um PS derrotado, em crise e à beira da implosão; 2) um BE forte, com 17 ou 18%; e Manuela Ferreira Leite a dirigir o governo e a aplicar duras medidas de austeridade. Esta era a base de partida para o projecto «venezuelano»: a vitória nas eleições presidenciais e a constituição de um partido socialista unificado, com o BE, destroços do PS e órfãos e descontentes de todas as matizes. O PCP viria a reboque, tal como na Venezuela os comunistas andam a reboque do tenente-coronel e do seu «socialismo do século XXI» – uma mistela ideológica, onde a ambição pessoal ocupa um espaço privilegiado. Raramente a realidade acompanha o sonho. A vitória de José Sócrates nas legislativas e o insuficiente resultado eleitoral do BE esburacaram a urdidura. Agora, apenas assistimos a uma penosa caminhada de Manuela Alegre até Janeiro. Canta o guião como no sonho que inventou, fazendo eco dos discursos de Loução, mas atabalhoado, sem alma, nem jeito, vazio, sem se dar conta da realidade. A vitória do PS há um ano atrás foi a derrota do sonho «presidencialista» e do projecto «socialismo do século XXI»» da dupla Manuel Alegre-Francisco Louçã. José Sócrates percebeu isso desde o primeiro segundo. Por isso, mesmo fazendo-se rogado, deu-lhe tranquilamente o abraço de urso.
(Publicado no Aparelho de Estado)
Ontem realizaram-se eleições legislativas na Venezuela. Os representantes da oposição (todos os partidos da oposição se uniram contra os partidários de Hugo Chávez) obtiveram 52% dos votos dos eleitores, apesar de elegeram apenas 61 deputados contra os 96 eleitos pelos chavistas (quando faltam eleger 6 deputados). Apesar da perversão do sistema eleitoral e dos meios desiguais de acesso aos media, estes resultados mostram como os venezuelanos se opõem à cubanização do regime.
O governo cubano, após meio século de «construção do socialismo», começou a desmontar os andaimes: vai despedir um milhão de funcionários públicos, 500 mil dos quais nos próximos 6 meses. Para fazer face à situação, o governo decidiu abrir à iniciativa privada 178 profissões que até agora só podiam ser exercidas pelo Estado, tais como engraxador, jardineiro, vendedor de fruta ou mecânico de automóveis. O ministro da Economia, Marino Murillo, e o vice-ministro do Trabalho e Segurança Social, José Barreiro, declararam ao Granma: «O emprego privado é uma das medidas que vão permitir aumentar os níveis de produção e eficiência da economia». Repito: a actividade privada aumenta os níveis de produção e eficiência da economia – diz o governo cubano. Nos corredores da sede do PCP, em surdina, para justificar a justeza da «linha ideológica» dos comunistas portugueses, já se deve comentar que os camaradas cubanos estão a destruir o socialismo e não tarda muito se dirá que «a interferência do imperialismo americano» levou à morte o «socialismo cubano». Por cá, eles gostavam de nacionalizar tudo, até os engraxadores.
Quando em Agosto, em Quarteira, Passos Coelho pediu para José Sócrates se demitir até 9 de Setembro, o presidente do PSD sabia que, depois dessa data, ficava com uma batata quente nas mãos: o ónus de ter de aprovar o Orçamento de Estado. E tinha razão.
Estes jogos entre equipas classificadas na segunda metade da classificação são sempre muito monótonos. Marítimo e Benfica chegam ao intervalo empatados sem golos.
Exposição Livros de Artistas, dos finalistas da ESAD.CR, no Centro Cultural das Caldas da Rainha. Nas fotos os trabalhos de Eunice Artur e Hélder Gorjão.
A editora Perpectivas & Realidades publicou um texto do Bureau Surrealista de Lisboa, escrito no Equinócio de Outono de 1978, já lá vão mais de 30 anos, intitulado Todo o mijo do mundo. João Soares ofereceu-me há dias um exemplar, assinado pelo punho de Mário Cesariny. O texto termina assim:
«Queremos a cidade inteira a afundar-se nos seus fumos, com os sinos a tocar enquanto queimamos os espinhos dos espíritos santos no centro da terra. Espalharemos as cinzas à luz da lua. Finalmente pode-se escolher depois de uma agonia infinitamente longa, voltar para os ministros epilépticos e ter a esperança que o seu cheiro a ranço envolva e coroe as ruínas. Ficaremos de respiração suspensa a ouvir os seus ossos a inchar.»
Os surrealistas fazem falta. E o Mário Cesariny também.
Na 29ª edição da Bienal de São Paulo, que hoje se inaugura, o artista plástico pernambucano Gil Vicente expõe um conjunto de desenhos a carvão sobre papel, intitulado Inimigos, onde se auto-retrata a executar – literalmente – políticos de todo o mundo, desde Lula a Bento XXI, passando por Bush e pela rainha de Inglaterra. A Ordem dos Advogados do Brasil pediu a retirada das obras da Exposição, alegando que se trata de um «incitamento à violência sobre o poder e as instituições que os visados representam», pedido recusado de imediato pela direcção da Bienal. É digno de sublinhar que uma tentativa de censura levou a que os ditos desenhos (e o seu autor) ganhassem uma notoriedade impensável, passando a ser conhecidos em todo o mundo (já tinham estado expostos anteriormente no Recife, Natal e Porto Alegre sem que ninguém desse por eles). Moral da história: a censura não compensa. Nunca mais aprendem, ainda por cima vinda da Ordem dos Advogados do Brasil que sempre se distinguiu na luta contra a censura.
Maradona: se aceitas um conselho, que outros desprezaram, não esperes até ao último momento para comprovares que a vaselina tem areia. Esperneia ao primeiro momento sem medo de exageros. Já lá dizia o sacana do Brecht: «Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei.» Além do mais, o Mário Viegas tem sempre razão.
Adenda: Maradona, desculpa o incómodo. A Ana Cristina Leonardo insiste que aquele poema, muitas vezes erroneamente atribuído a Brecht, é de um pastor alemão, protestante – diz ela.
A Europa está, outra vez, a enlouquecer, como lhe aconteceu no final dos anos 30 do século passado. A cultura democrática, liberal à moda antiga, esvai-se com medo das minorias. Perde o respeito à maior riqueza que possui: o respeito pela diversidade. Teme que os homossexuais lhe destruam a reputação, porque preferem o segredo das casas de banho e das sacristias; teme que lhe roubem o emprego, como se desejasse ardentemente trabalhar na construção civil e afins; teme que os muçulmanos lhe levem a mulher para a cama, como se tivesse mulheres que valesse a pena o esforço; teme o modo de vida dos ciganos, como se pretendesse vaguear por aí sem raízes, sem ordenado fixo e sem destino. As crises financeiras e económicas antecedem sempre estes recuos. Foi assim no passado. E é assim, agora. Até os suecos se deixaram embalar pelo medo das minorias ao dar expressão eleitoral a uma extrema-direita troglodita, para não falar na deriva do senhor Sarkozy. A Europa está a caminho de uma pobreza que há muitas décadas não conhecia. Mas, ao menos, que mantenha a dignidade democrática. Que não se prepare para queimar livros.
Amanhã, 16 de Setembro ( e até 27 de Outubro), inauguração da exposição de pintura de Ricardo Paula, na Galveias, Galeria de Arte, Rua da Misericórdia, 83, em Lisboa.
Em 1978, três anos após a aprovação da Constituição de 75, Francisco Sá Carneiro, presidente do PSD, decidiu dar um contributo («no cumprimento de um dever cívico de cidadão») para «um aprofundamento global da Constituição que temos, e daquela que necessitamos para os anos 80». Atendeu a «posições de militantes do partido com especial competência em matéria jurídico-constitucional, como o Professor Jorge Miranda» e solicitou a colaboração de Marcelo Rebelo de Sousa e de Margarida Salema, assistentes de Direito Constitucional. O resultado foi a apresentação pública, em livro, preto no branco, em Janeiro de 1979, de Uma Constituição para os Anos 80 (Edições D. Quixote), apresentada, nas palavras do seu autor, como representando o «empenhamento de um cidadão» que pretende 1) «uma Constituição que una e não que divida os portugueses» e 2) «encontrar fórmulas que possam suscitar uma conciliação apreciável de pontos de vista com os outros partidos democráticos». Passos Coelho, o actual presidente do PSD, fez tudo ao contrário. Começou por deixar cair, aos bochechos, em entrevistas, aspectos de uma proposta de revisão contitucional que tinha lido na diagonal . Face à avalanche das críticas, recuou e enviou o dito projecto para ser «burilado». Depois, fez aprovar a proposta em Conselho Nacional, em Julho. No entanto, este órgão partidário não aprovou o projecto final. Entretanto, em Agosto, o projecto foi sofrendo sucessivas alterações, como por exemplo quanto às competências do Presidente da República. Nalguns casos, é pior a emenda do que o soneto: transformar «razão atendível» de despedimento em «razão legalmente atendível» até fez rir o circunspecto professor Jorge Miranda. Ontem, finalmente, o PSD aprovou na Comissão Política Nacional um projecto de revisão constitucional, o qual não cumpre nenhuma das duas permissas da proposta apresentada há 30 anos por Sá Carneiro: nem é uma proposta que una e não que divida os portugueses, nem suscita uma conciliação apreciável de pontos de vista com os outros partidos democráticos. Nem era para cumprir, já que se trata-se de uma manta de retalhos (Paulo Rangel diz que o projecto reflecte «as várias sensibilidades do partido») destinada apenas a consumo interno, o que não deixa de ter os seus méritos na clarificação da matriz política e ideológica dos social-democratas. Sejamos claros, ninguém no PSD acredita que o projecto de revisão constitucinal tem por objectivo rever a actual Constituição. Contudo, dada a trapalhada, esta necessidade de resposta interna, pode ter ferido de morte a credibilidade política de Passos Coelho.
(publicado no Aparelho de Estado)
No último Domingo, o Combate de Blogues, na TVI 24, convidou Mário Nogueira Guinote. Enquanto este «discursava», Nuno Ramos de Almeida, bem disposto, dizia a tudo que sim.