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Há dias, manhã cedo, encontrei o meu amigo João Soares a descer a Rua Nova da Piedade, quase na esquina com a Rua de São Bento, a caminho do Parlamento, com um grande embrulho de livros. Andava a distribuir livros pelos amigos (da sua antiga Editora e que nunca foram guilhotinados, como agora se usa). Calhou-me As Ilhas Desconhecidas, de Raul Brandão. Tenho uma vaga ideia de o ter lido há 40 anos. Voltei a lê-lo este fim-de-semana. É uma das grandes obras de literatura de viagens. Gosto de livros e de bons amigos que gostam de livros.
(Ofereceu-me também, ao almoço desse dia, Que Fazer? de Vladimir Ilitch Ulianov, Estampa, 1973), mas este fica para reler quando nevar).
Ontem à tarde, um «mar de gente» desceu a Avenida da Liberdade em protesto contra as medidas de austeridade. Cumpriu-se um ritual de «luta» do PCP-CGTP, o que é importante em democracia. O entusiasmo de Carvalho da Silva levou-o a falar em «300 000 mil» participantes, enquanto Isabel Brites, ex-sindicalista da CGTP, e antiga responsável pela contagem de pessoas nos protestos disse ao Público: «Pelo meu cálculo estiveram aqui entre 130 mil e 150 mil pessoas.» O PCP-CGTP começa a ter uma dificuldade nestas mobilizações: os participantes nas suas manifestações mais empenhadas são sempre os mesmos, mais coisa, menos coisa. Quer sejam professores, função pública ou trabalhadores de todo o país em luta contra a «austeridade». Isso denuncia a estagnação da sua influência (comprovada pelos resultados eleitorais) e remete estas manifestações para o cumprimento de um mero ritual. Daí, a fuga para a frente: inflacionar o número de participantes para o dobro para esconder a estagnação. Por este caminho, o PCP-CGTP vai ter um problema, a prazo, também «na rua».
A Direita anda à nora.
Já está nas livrarias Os meus irmãos Fidel e Raul, um relato de Juanita Castro (Cuba, 1933), irmã de Fidel e Raúl Castro, publicado pela Sextante Editora, onde a autora fala sobre o mundo familiar dos Castros, desde os anos de luta contra Fulgencio Batista aos primeiros anos da revolução, passando pelos principais protagonistas e os seus desencantos com o rumo seguido por Fidel Castro. Juanita revela um segredo «escondido» desde há 50 anos: que trabalhou, de facto, para a CIA, tendo sido recrutada pela embaixatriz brasileira em Havana.
Jerónimo de Sousa, no final da semana passada, deu-lhe para falar na «soberania e independência nacional», e disse: «Hoje a questão da soberania e da independência nacional está de novo colocada. Não temos ilusões, PS e PSD desistiram de Portugal.» Ao ler esta pérola faço um apelo à memória. E lembro-me quando, em Agosto de 2008, 200 000 soldados e 5 mil tanques soviéticos, sob a capa do «Pacto de Varsóvia», invadiram a Checoslováquia, com o aplauso do PCP. Escrevia o Avante, em Outubro de 1968:
«O PC Português entende que os marxistas-leninistas não podem contestar em princípio a legitimidade revolucionária de uma intervenção de países socialistas noutros países socialistas a fim de defenderem as conquistas do socialismo, impedirem a contra-revolução, assegurando ao mesmo tempo a defesa do campo socialista no seu conjunto».
Jerónimo de Sousa está com falta de memória.
Dizem os jornais que o governo se prepara para acabar com 8 medidas «anti-crise», introduzidas no ano passado, que vão de alterações ao subsídio de desemprego até ao abono de família. Não se entende como, se acabam com medidas anti-crise, exactamente no momento em que a dita crise mais se abate sobre os portugueses mais desprotegidos. E notícias do emagrecimento das gorduras do Estado e do «plano nacional contra as mordomias e o desperdício»? Nem uma. Está na altura de apertar o cinto ao Estado. Enquanto isso não acontecer ninguém acredita que o seu esforço sirva para o que quer que seja. A cultura da «austeridade» deve começar por cima.
João Tunes e Joana Lopes (dois eleitores do BE e apoiantes entusiastas do candidato Manuel Alegre) tiveram a amabilidade de referir um texto que atrás escrevi sobre o apoio do PS à candidatura presidencial do poeta – um abraço de urso. Aproveito a oportunidade para deixar mais duas dicas sobre o assunto.
Primeira: os «social-revolucionários» do BE têm uma estratégia política clara: ocupar o espaço eleitoral do PS para alcançar o poder (há 30 anos eram os «verdadeiros comunistas», hoje querem ser os «verdadeiros socialistas»). Ora, acontece que Manuel Alegre se disponibilizou para ser parte importante nesta estratégia do BE contra o PS. Em suma: Manuel Alegre é o candidato que, objectivamente, serve a estratégia dos que sonham avançar sobre os escombros do PS. Por isso, grande parte dos socialistas não se revê nessa candidatura. E, nas circunstâncias presentes (sobretudo porque o PS não encontrou um candidato seu a tempo e horas), não lhe resta outra alternativa senão dar-lhe o abraço de urso.
Segunda: João Tunes assenta a sua «euforia» alegrista num pressuposto, no mínimo, ilusório. Escreve: «a esquerda, que até hoje só perdeu uma eleição presidencial…». Qual «esquerda», pergunto? A que se reuniu em 1976 e 1980 à volta de Otelo Saraiva de Carvalho? Ou, em 1985, à volta de Salgado Zenha e Pintassilgo contra Mário Soares? Ou, em 1991, à volta de Carlos Marques? Ou, em 2001, à volta de Fernando Rosas? No passado, contra o PS nenhuma «esquerda» ganhou eleições presidenciais em Portugal. E a candidatura de Manuel Alegre integra-se numa estratégia política contra os socialistas. Por isso, tal como muitos socialistas, eu não voto Manuel Alegre.
À laia de rodapé: as razões são muito diversas, mas factos são factos: o partido socialista ganhou eleições legislativas quando teve como secretário-geral Mário Soares, António Guterres e José Sócrates e perdeu-as quando os socialistas foram dirigidos por Vítor Constâncio, Jorge Sampaio e Ferro Rodrigues. Muitas leituras se podem fazer a partir deste facto, contudo, estou certo, que para tal não contou apenas o tempo, mas também o modo.
«O secretário-geral do PS e os presidentes de câmaras socialistas tiveram ontem uma longa reunião sobre as eleições presidenciais, que terminou sem uma tendência clara a favor ou contra a candidatura de Manuel Alegre.»
No Público.
«A candidatura presidencial de Manuel Alegre não me entusiasma.»
Renato Sampaio, presidente da Federação do Porto do PS.
Lançamento amanhã, 25 de Maio, pelas 18:30, na Livraria Bulhosa de Entrecampos. Mais uma obra premiada de Rui Herbon: A Chave, Prémio Branquinho da Fonseca de Conto Fantástico, 2009. Editada pela Parceria A. M. Pereira.
O secretário-geral do Partido Socialista cumpre, por estes dias, um ritual partidário (autarcas, grupo parlamentar e presidentes das federações) tendo em vista declarar, no Domingo, na Comissão Nacional, o apoio ao candidato presidencial Manuel Alegre. O poeta, deputado eleito nas listas do PS durante 34 anos, e candidato oficial do Bloco de Esquerda (onde residem os seus mais acérrimos defensores), com quem se amancebou nos últimos dois ou três anos, impediu a escolha, pela actual direcção dos socialistas, de um candidato capaz de derrotar Cavaco Silva. Nestas circunstâncias, impostas por Manuel Alegre, não resta outra solução ao PS senão cumprir um ritual político, sem alma, nem convicção: apoiar Manuel Alegre como candidato à presidência da República, mesmo sabendo que se trata de um candidato derrotado, sem o apoio de significativos segmentos do eleitorado socialista. Neste momento, e nas circunstâncias políticas que todos conhecemos, a melhor notícia para o candidato (até agora) do BE seria o PS escolher outro candidato: perdia as eleições, mas podia responsabilizar o PS pela derrota. O pior que podia acontecer a Manuel Alegre é o apoio do PS à sua candidatura: perde as eleições e é o responsável pela reeleição de Cavaco Silva. O PS, no Domingo, através da Comissão Nacional, vai dar o abraço de urso a Manuel Alegre.
Os nossos governos – este e outros anteriores – herdaram a mania das grandezas de D. João V, o perdulário (também conhecido pelo freirático devido à sua apetência sexual por freiras, de quem teve vários filhos). Conta-se que um seu emissário se deslocou a Amesterdão para encomendar um carrilhão para o Convento de Mafra. O artesão holandês, o melhor na sua arte na Europa, não aceitou iniciar o trabalho enquanto o dito emissário não transmitisse ao Rei o preço, o qual era de elevada monta. Parece que D. João V achou humilhante o que para o holandês era uma regra de oiro: não iniciar um trabalho sem que o dono da obra conhecesse e aceitasse o preço. O nosso rei perdulário respondeu à suposta «humilhação» enviando de novo o emissário com um recado preciso: «Nunca pensei que um carrilhão fabricado na Holanda custasse tão barato. Por esse preço encomendo dois». Ainda hoje estamos a pagar esta herança. Os nossos governantes perderam a apetência sexual por freiras, pelo menos que se saiba, mas não deixaram de ser perdulários, nem perderam a mania das grandezas. Enquanto o Estado gastar como gasta e gostar de exibir uma riqueza que não temos, não saímos da cepa torta. E o esforço actual dos portugueses é inútil enquanto não tivermos um Estado que sirva os cidadãos e não um Estado que se sirva dos cidadãos.
(No Aparelho de Estado).