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Tiago Moreira Ramalho quis fazer um «brilharete», isolando um parágrafo do contexto (a propósito da apropriação dos meios de produção pelo Estado e a consequente «ditadura do proletariado»), demonstrando que conhece pouco da história do movimento operário e socialista dos últimos 150 anos. Raciocina na base de «chavões». É pena. De qualquer modo, a experiência histórica demonstra que a frase citada é verdadeira (ver por todas a experiência soviética), mas a ilação daí retirada é que é de banda desenhada. Além do mais confunde intervenção do Estado na economia (nacionalizações dos sectores estratégicos da economia, «desprivatização» como alguns agora gostam de dizer) com políticas sociais e redistribuição da riqueza produzida, coisas que Manuela Ferreira Leite rasgava, mas agora já não rasga. O Tiago podia bem dispensar «brilharetes» primários, ainda por cima apoiando, nestas eleições, o «partido social democrata», nome do partido de Vladimir Ilitch Ulianov, mais conhecido por Lenine.
Já aqui escrevi que Francisco Louçã é o BE. Tal conclusão não é depreciativa, antes pelo contrário. Dos dirigentes dos grupos de extrema-esquerda que deram origem ao Bloco, nomeadamente Fazenda e Portas, Louçã era o único que sabia o que queria e para onde ia. Era o único que, desde jovem, desenvolveu uma atitude critica, enquanto marxista, à «construção do socialismo» na URSS e, também, na China e na Albânia (Fazenda e Portas foram acríticos estalinistas até muito tarde). Em todos os anos na LCI e no PSR (e bebendo alguns desenvolvimentos teóricos e doutrinários da IV Internacional), Francisco Louçã alimentou-se mais de Marx do que de Lenine, ao invés dos seus companheiros de partido (e, obviamente, do PCP). Isso permitiu-lhe, manter-se fiel a Marx (a apropriação dos meios de produção) e, aparentemente, desenvolver uma «divergência» com o leninismo numa questão importante: a ditadura do proletariado. Louçã já aflorou, mais do que uma vez, a ideia de que é possível construir o socialismo, na acepção marxista-leninista do termo, sem ser num regime de partido único. A Venezuela é um bom laboratório de como Francisco Louçã está enganado ou nos quer enganar. Quando o Estado detiver os principais meios de produção (em nome da classe operária, dos trabalhadores, das massas populares, dos pobres e desempregados, do que quiserem), quem controlar o Estado controla tudo: faz da democracia e da liberdade a «democracia» e a «liberdade» de quem controlar o Estado (o partido que controlar o Estado). Cunhal em 1975 retirou a ditadura do proletariado do programa do PCP para não assustar as «massas populares», mas não tinha outro modo de construir o «socialismo» senão através da «ditadura do proletariado», ou seja, a ditadura do partido comunista, enquanto «representante» do «proletariado». Louçã também sabe que é assim, tal como alguns dos seus eleitores que se armam em «românticos». Não há saída: quanto mais o Estado intervier na economia, mais pobreza e mais porrada no lombo de quem trabalha.
A actual presidente do PSD, Manuela Ferreira Leite, fez parte de um governo que, em 2003, falava do TGV como se fosse a cura para todos os nossos males, incluindo no programa quatro ligações a Espanha:
Agora é radicalmente contra. Nem uma única ligação por TGV a Espanha. É uma mudança de opinião muito repentina e muito profunda, mas não é por aí que o gato vai às filhoses. A minha questão é a seguinte: admitindo que o PSD ganha as eleições legislativas, no caso de Manuela Ferreira Leite se decidir pelo TGV até Badajoz um ano após a tomada de posse, esta decisão cabe na categoria de fraude eleitoral com direito à dissolução da Assembleia da República ou é um mero acto de gestão do governo «à luz das condições objectivas no momento»? A credibilidade da democracia, dos políticos e da política não vai aguentar tanta pirueta.
Leituras em tempos de crise: Mário Soares escreve sobre o Elogia da Política (Sextante Editora, Setembro de 2009). Eduardo Dâmaso, Director-adjunto do Correio de Manhã conversa com Medina Carreira, ex-ministro das Finanças, obre o tempo das mudanças inadiáveis. O resultado foi editado pela Objectiva (Setembro de 2009): Portugal que Futuro?
Exposição The World in a Box, de Luis Beato, na galeria Palpura (Rua Alberto Vilaverde Cabral, Restelo). De 26 de Setembro a 10 de Outubro.